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Paredes sujas, reboco cheio de humidade, plásticos industriais, instalações bolorentas fazem o cenário grotesco de uma festa de presença obrigatória, sem convite nem pré-aviso. A espera longa e enervante no abandono dos corredores em mutação. A luz pisca e tremelica, penso que descobri a musa inspiradora dos melhores argumentos de terror hospitalar. Aos poucos, o mau torna-se menos mau, traço, sem grandes certezas, um plano mental. Em vão, porém, com o resultado de um raio-x, tudo se desmorona numa frase. Luxação, fractura, que tal uma tri? Um azar nunca vem só e uma operação também não. Temporariamente no sítio, aguardo exasperando por mais de hora e meia por uma transferência que tarda em se concretizar.A antecipação de uma segunda etapa, num rol de etapas sem fim, nesta viagem sem aviso, nem inscrição e sem final agendado. Só sei, tudo o que não vou poder fazer. Nada sei sobre aquilo que tenho ou que posso fazer e neste momento, tudo parece impossível. Vejo as luzes da cidade passarem ao lado, insensíveis à confusão que vivo. Novo corredor, nova maca, nova espera. Vejo-os passar para falar sobre mim. Parecem alienados ao facto de não me poder mover, de não poder sair daquele corredor. Vejo-os voltar com ar assustado, transtornados, mais nervosos que nunca. O veredíto é o internamento, vais ser operada. Vão-te tirar os pertences. Fico um segundo a pensar e ligo, à pressa, para avisar a notícia. De repente vejo-me de novo na sala de raio-x e aguardam que desligue o telemóvel. Pedem-me para tirar tudo naquele corredor. Ponho toda a roupa, os acessórios que já nem me lembro que uso e tudo o que faz parte de mim naquele saco e espero pelo dia que mo voltem a entregar. Sou levada para uma sala escura, injectam-me um cateter e mais um extra para relaxar “vamos tentar dormir”. Fico de olhos abertos a fixar o tecto, tentando acordar de um pesadelo que numa fracção de segundo, me tirou uma das coisas que mais prezo. O mais insignificante gesto necessita de auxílio de terceiros. Durmo 2 horas e vejo que tudo não passa da mais cruel realidade.31Agosto06
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