Thursday, October 18, 2007

CÁPSULA MENTAL

Enquanto espero, observo o espaço à minha volta
com uma estranha sensação de familiaridade.
Neste café apainelado até meia altura, a côr de mel envernizado,
com mobiliário a preto e fórmica de madeira clara,
o testemunho de outros tempos
transmite-me uma curiosa sensação de segurança.

Nesta cápsula temporal, projectam-se e revivem com força, as minhas memórias de infância,
quando acompanhava o meu avô nas suas tardes de café.

Nos tempos antes da standartização,
da modernização da imagem e dos revestimentos,
quando o sóbrio e o másculo agradavam ao género dominante
e moralmente, melhor aceite nesses ambientes.

A percepção nostálgica de uma outra vida,
de um outro tempo,
de todo um mundo inocente por descobrir.
O vazio deixado por aquela figura austera,
de quem tão pouco conheci.

Perco o olhar no marmoreado do chão, riscado a amarelo e rosa,
outrora polvilhado de cascas de pevide e amendoím
e dos pacotes plásticos, de transparência ofuscada pelo sal,
impressos a azul, rasgados nos cinzeiros.

Desvanece-se o sabor salgado na boca e a moinha nos dedos
enquanto as cascas quebram com um estalito e o pó esbate-se no ar.
Esqueço o cheiro perfumado do cachimbo, do SG Filtro
e do tic-tac da relojoaria que um dia iria concertar,
perdida entre os livros de cães de caça
e chapéus peculiares que nunca usava.

Percebo agora, o tanto temos em comum.
Que afinal, a sua essência continua viva

em mim

Sunday, October 07, 2007

OU TONO

O filtro de luz branca envolve tudo
Permaneço de olhos cerrados até ao leve murmúrio, despertar a atenção
Abro os olhos para uma núvem de asas que rasgam o azul
voando tão baixo que é possível ouvir a deslocação de ar sob si

Fico a observar a areia agitar-se no fundo, pelas ondas, numa dança entrelaçada
O respiradouro é a minha única ligação à superfície.
O tempo parece abrandar aqui em baixo e eu com ele, abrando também.

Com o bater das asas das gaivotas, continuam as sucessivas tentativas para voar.
Pás giram, pernas correm, o kite é puxado mas
querer, Ícaro, nunca foi suficiente...

Thursday, October 04, 2007

"...e daquelas que não saem"

"Tu és especial!"
Diz-lhe, com a inocência fascinada de uma criança
Os olhos brilham e as palavras parecem emergir numa ebolição entusiasta.
"és mais especial que as outras pessoas porque tens, nas costas, a carapaça de um caracol"