Wednesday, November 30, 2005

Frio, Lemings e Piropos

Para os mais distraídos,aqui fica um conselho:

Experimentem tomar o tempo para observar os que vos rodeiam, de manhã nos transportes públicos, à hora de almoço no café, enfim, experimentem.

Hoje, o dia começou em grande. O frio, faz destas coisas, deixa-nos mais eléctricos...
Apanhei um 100, sentei-me na frente, posição previlegiada para dar conta destes pequenos pormenores:

Alguém entra e passa o cartão numa das máquinas, acendendo o sinal vermelho. Passa uma e outra vez, sem conseguir o tão desejado verde.
O motorista responde de soslaio “essa está avariada, tente na outra”
Mas o tom não é perceptível e depois de mais duas ou três vezes o indivíduo desiste.

Parece estupudez conjunta, sina, ou tal como os grupos de golfinhos e baleias que dão à costa, sem se saber bem porquê a razão daquela desorientação massiva, uma e outra pessoa foram entrando, sucessivamente, no autocarro e passando sempre o cartão na mesma máquina, sempre com um apito e um vermelho.
Foi hilariante, a acumulação de indivíduos em torno da mesma máquina, que chocavam sistematicamente uns nos outros, envoltos numa valsa descompassada, ao som daquela melodia monocórdica.

De repente, lembrei-me do velho jogo de computador, do tempo em que o computador precisava de um gravador externo e nem se ouvia falar de internet, e-mail, blog, Word ou Autocad - os Lemings - o pequeno grupo de suricatas ou ratos da pradaria, desorientados a seguirem-se cegamente, às voltas, esbarrando uns nos outros, ou até ao suicídio em massa, com a queda de um penhasco.

Eu sei que não é uma analogia muito simpática, mas não me podem acusar de falta de imaginação.


Mais tarde, pela hora de almoço, numa pequena pastelaria lotada, daquelas que servem almoços, como tantas outras, acordo de novo para um novo episódio.

Nem ao balcão havia lugar para um café, mas com algum esforço, consegui ficar perto o suficiente para poder usufruir da minha bebida quente.
Entre secretárias e tipos das obras, que comiam almoços rápidos ao balcão, percebi qual o pedido mais popular. Eu, nem por isso apreciadora de cerveja, ou talvez mais conhecedora das bebidas nocturnas, nunca tinha ouvido falar tanto em lambreta como nos últimos tempos. Estava eu, estranhamente entre duas lambretas – uma administrativa e outra obreira, quando percebo um flirt no ar:

O engraçadinho das obras, mesmo ao meu lado, jogava seus galanteios, por entre os croquetes e as bifanas no pão, para a “menina” atrás do balcão. Ela olhava de lado, com sorriso maroto e fingia-se de inatingível, sem no entanto deixar de corresponder com o olhar, a cada piropo desastradamente lançado.

Na maioria das vezes, passam-se completamente ao lado. Fecho por completo os sentidos, enquanto passo por tantas e tantas caras.
Mas confesso que há dias em que dou por mim, fora da acção, mas dentro da tela, observando de perto estes enredos deliciosamente kitch, cheios de frases feitas e de expressões irritantemente populares, que por vezes, até me divirto com estas cenas reais, com estes curtos takes que consigo observar de fora, mas suficientemente perto, para não conseguir ignorar.

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