Thursday, November 17, 2005


Numa destas tardes frias, estava eu num café no Mercado da Ribeira,sentada a uma antiga e pequena mesa de madeira escura, rabiscando em papel de guardanapo, quando a senhora do estabelecimento vem interromper o fim do galão quente, fazendo-se acompanhar de uma sopa e uma mulher de meia idade.Pedindo permissão para partilhar a pequena mesa, respondi que não havia problema.
A senhora de tez escura, cabrita de vestes desalinhadas e pouco harmoniosas, denunciava uma simplicidade e, por certo, uma igualmente, pouco harmoniosa condição económica.
Trocámos um sorriso, como que a deixá-la à vontade enquanto se preparava para comer a escassa refeição.
Do nada, ela murmura uma frase tímida e abafada, entre um sorriso ainda mais tímido.
Eu, largando a caneta sobre o tampo grosso de mármore pergunto - desculpe? Ela continua a rir desajeitadamente e lança as mãos à cabeça, indicando um chapéu de pequena aba ondulada, estilo australiano.
Repetindo, como se precisasse, num jeito infantil, da minha aprovação
- Não sei se tire ou deixe ficar...
Deixe ficar. Qual é problema? Não vai fazer cerimónia e até fica mais bonita...respondi
Ela voltou a erguer as mãos, desta vez para ocultar o rosto, rindo embaraçadamente, como que o que eu tivesse dito fosse o maior e mais surpreendente elogio que alguém lhe pudesse fazer.Voltei a sorrir e comecei a me preparar para sair.
Perguntou se eu já tinha almoçado. Respondi que sim.
Levantei-me e, surpreendentemente, ela olha-me com os seus olhos baços e seriamente me diz:
"Vá e fique com Deus... Fique com Deus, principalmente nestes dias em que há tanto mal por aí."
Voltei a sorrir, sem saber exactamente o que responder. Agradeci e desejei-lhe felicidades saindo de seguida, levando a benção que me tinha conferido.
Cá fora, a tarde já não estava tão fria, talvez por ter presenciado, em primeira mão, aquele instante de proximidade de duas pessoas estranhas, tão diferentes.
Senti um alívio, não pelo que me disse, mas pela preocupação desinteressada que demonstrou ao dizê-lo.
Fico feliz por saber que ainda existe quem rema contra a indiferença e auto-isolamento, quem tente tocar o próximo, nos dias em que tudo e todos passam em fast-foward.
Terei presenciado uma manifestação do que chamam "amor ao próximo"?
Não sei... mas tenho a certeza que aquela manifestação, por qualquer designação que seja, contribuiu, na minha parte, para puxar as cores daquela tarde fria de Novembro.

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