Saturday, November 04, 2006

Os olhos de Khatmandu

Trindade, Kathmandu, bem podiam ser o mesmo - Rua do Alecrim ao Evereste. Não precisei de patrocínios nem perdi o nariz, mas fui à revelia e com surpresa em mente. Passei o resto da noite a levar nas orelhas, mas nada substitui, o alcance de uma meta interior, a surpresa estampada de uma visão surreal, a alegria contagiante de um amigo surpreendido...ou 2, mas principalmente, o superar de uma prova. Muito trabalho ainda pela frente, mas coxeio devagar para lá. Não dancei, mas vi dançar e os ferreros a passar. Assisti a mais um excelente trabalho de interpretação – de ti, não podia esperar outra coisa e nem sequer estavas lambidinho, mas as calças até ao sovaco, estavam a matar – estive com amigos, com conhecidos, com desconhecidos. Agora então, parece que não tenho como escapar, em ser um centro de atenções...as canadianas denunciam-me – maldito jogo de futebol!

Provei um pouco, o suficiente para molhar os lábios, de algo a que estava habituada, do que voltarei, qualquer dia, a beber, com as minhas habituais companhias e outras novas, porque não. Até lá...os testes continuam.

Wednesday, November 01, 2006

CURIOSIDADES

Numa manhã ou tarde de sol, num final de Setembro quente, andava a passear por um jardim em Barcelona, durante uma estafante semana de all-you-can-visit, quando a vontade de posar para as fotos deixou de ser levada a séria e completamente vencida pelo esgotamento de energias, um calhau pareceu-me uma excelente desculpa para repousar.

Essa ideia ficou para sempre, relembrada em provas fotográficas.

Tal não foi o meu espanto quando, passados 8 anos, numa lojeca de recuerdos em Salamanca, encontro uma ranita - um dos símbolos da cidade - posando num calhau. Não podia deixar de adquirir essa peça, testemunho das coincidências da vida, que tanto me divertem.

Não sou verde nem esbugalhada... mas mesmo assim, não deixa de ter piada.

Monday, October 30, 2006

Saturday, October 28, 2006

Voodoo?

Porque é que cada vez que pego numa agulha, ela acaba sempre espetada no dedo?
...uma, duas, três vezes...

definitivamente, não fui feita para costurar

Tuesday, October 24, 2006

All the sparks will burn out in the end...except mine

I miss the sun
Burning my back
Strong embrace
On a hot summer afternoon
Waiting in line
Joined by dear friends
The chords from inside
Still eccoe in my mind
And the sweet memories of that 7th day
Everytime I listen to this

Monday, October 23, 2006

Tragédia na Rua das Flores - Volume II

Virada a primeira folha do novo volume, a leitura torna-se mais rápida e menos entediante. O drama dá lugar à auto-satisfação de quem consegue seguir a história e se envolve no enredo. O virar de cada folha, começa a ter a sua piada e a vontade de chegar ao fim, já não é de um suplício, em que a tentação de saltar muitos capítulos, até ao final, cresce a cada linha e desistir da leitura obrigatória está fora de questão.
O preâmbulo do 2º volume, pareceu-me leve, até satisfatório...curiosa a sensação do látex morno na pele, nos pontos Y, M, I - zonas sensíveis de sensações arrepiantes, entorpecidas pela violência, pela intervenção e pela lesão e, ao contrário do que possa parecer, em nada erógenas.
WaterwalkAir structure event
Theo Botschuijver

Sunday, October 22, 2006

o EU que TU conheces

Sendo a primeira a dizer “que se lixe o que os outros pensam”, sei que somos, não só o que queremos ou conseguimos ser, mas também, o que outros acham que nós somos.
Quem eu sou e a percepção dos que me rodeiam têm de mim, acaba por se fundir, fazendo parte, também, de mim.
Vivemos reflectidos no olhar de terceiros. Terceiros que testemunham os nossos feitos, as nossas falhas, as nossas vitórias, o nosso crescimento, o nosso EU.
E como a História, a importância de um testemunho, um registo nem que seja mental, da nossa passagem pela vida, garante uma memória da nossa existência e de uma identidade, de outro modo desconhecida e inexistente aos olhos do mundo.
Continuo a lixar-me para o que os outros pensam, porque esses terceiros de quem eu falo, para mim, importam apenas os que me são queridos e têm um papel importante e relevante na minha vida. Cuja percepção do meu EU não será assim tão distante do meu Eu objecto, por mais parcial e incompleto que seja esse conceito.

E por essa razão, me é tão importante
a imagem que vejo reflectida nos teus olhos.

Thursday, October 19, 2006

Espaço Cultural - get you dictionaries!

" It is impossible to say how first the idea entered my brain;
but once conceived, it haunted me day and night.
Object there was none.
Passion there was none.
I loved that old man.
He had never wronged me.
He had never given me insult.
For his gold I had no desire.
I think it was his eye!
Yes it was this!
One of his eyes resembled that of a vulture -
a pale blue eye, with a film over it.
Whenever it fell upon me,
my blood ran cold;
and so by degrees -
very gradually -
I made up my mind to take the life of the old man
and thus rid myself of the eye for ever."

from THE TELL-TALE HEART by Edgar Allan Poe

Wednesday, October 18, 2006

Afinal é TRI !!!!

Peço desculpa pelas informações erradas que tenho fornecido, mas letra de médico será sempre letra de médico e como cada vez que vou a uma consulta descubro algo novo, normalmente por mim, hoje não foi excepção.

Como, logo no 1º e malfadado dia, em que andei a bisbilhotar as radiografias enquanto esperava e percebi a verdadeira dimensão da coisa - @#da-se! parti a tíbia tb, pensei eu na altura

Depois, vem o número de cicatrizes, a dimensão.

O tamanho e a quantidade de metal enfiado aqui

E agora, o que as minhas pesquisas na net, já me tinham dado a quase certeza - é uma fractura Trimaleolar e não Bi, como me tinha parecido o gatafunho médico.

Nada de espanto, porque segundo os esquemas, o pé completamente fora do sítio não engana ninguém.

Enfim, mas a vida não é só desgraças e como me costumam dizer "porra, quando fazes, fazes em grande, não te ficas com uma coisa simples" - pois é mon chérrie, eu n me fico por banalidades - tudo a sério e nada de superficialidades...

mas como dizia, a vida não é só desgraças e há que ver a graça nas pequenas e estúpidas coisas da vida e pelo menos hoje tive a autorização oficial p começar a utilizar o trombolho :P

Tuesday, October 17, 2006

I like scars





Like the spoils of wars

They remind me of

The battles I've fought


...


I just don't like

The way they feel inside

Monday, October 16, 2006

O caminho
















Do caminho hipnótico,
Em que, facilmente,
se tornam as nossas vidas,
Basta travar e sair.
Tomar coragem e seguir por um atalho
Ou, porque não, mudar de direcção
e tomar um novo rumo.
Que se lixe o destino!
Gozar a viagem
Ver novas paisagens
Conhecer outras pessoas
E talvez, quem sabe,
Chegar ao mesmo destino
Com outra bagagem.

Sunday, October 15, 2006

Fechado para balanço















Sem data de reabertura

Hoje fui às compras














para o dia a dia













para as noites/manhãs de fim de semana














para indirectas a daltónicos














para ti, que teimas em te fazer de difícil

Wednesday, October 11, 2006

OSSOS DO OFÍCIO

Olá, o meu nome é Fractura Trimaleolar
e sou uma osteossintetisada há exactamente 40 dias.

Tuesday, October 10, 2006

The weight of the world

on my back

o tempo e só o tempo

como é amargo o gosto da decepção.
como é destruidora a força conjunta de tantas pequenas adversidades.
como conta para tão pouco, os pequenos progressos, à luz de tantos obstáculos e dificuldades.
como o tempo se estica e se prolonga, quando queremos que ele passe.
como tudo parece mais difícil quando ele nos olha directamente nos olhos.

guardo na gaveta a ânsia e a euforia, para daqui a 5 semanas...
enquanto continuo a folhear o próximo capítulo

Monday, October 09, 2006

Dead man's foot (ou Leg)

qual é coisa, qual é ela,
que não via sol há 5 semanas,
mirrou e ganhou um trombolho na ponta?

A menina dança?

after all scaring is not an easy process

Sunday, October 08, 2006

weirddd...

assuntos relacionados, ver aqui

Finalmente...

estou a chegar ao fim da TRAGÉDIA NA RUA DAS FLORES ...
já salivo pelo virar da última folha

Thursday, October 05, 2006

Monday, October 02, 2006

EU QUERO!

Descobri que estou a passar a fase do “QUERO”. Os putos passam a fase dos “porquê”s, eu entrei nesta nova fase. Depois de aguardar pacientemente, todos os incidentes e consequências deles derivados, durante o último mês, estou com uma vontade louca de arregaçar as calças e pôr as pernas à vida.

Quero que esta semana passe rápido;
Quero ir à consulta de ortopedia;
Quero que o médico me tire o gesso;
Quero começar a pôr o pé no chão;
Quero dar passadas, sem ser em forma de monopassos esquerdos, nem que pareça uma aleijada;
Quero subir escadas, sem receio de me espetar e dar cabo da outra perna;
Quero começar a fisioterapia e gritar com o fisioterapeuta, por dor e frustração;
Quero voltar para o atelier;
Quero estar com os meus amigos, principalmente aqueles que nunca mais os vi;
Quero honrar os compromissos de saídas sine die;
Quero jantar fora e ficar a bairrar noite dentro;
Quero ir a um concerto;
Quero ir a uma daquelas performances estranhas, num buraco qualquer;
Quero assistir a um bailado;
Quero ir ao cinema sem ser através do monitor do portátil;
Quero ir ao teatro, especialmente a este espectáculo:

Se tudo correr bem, estou lá

Entretanto, agarro-me à pequenas esperanças dadas por anjos da guarda personificados e esforço-me para reprimir as minhas pulsões, as minhas mais profundas loucuras, de rasgar as ligaduras, mandar o gesso às urtigas e sair por aí, a cheirar a relva acabada de cortar.

Saturday, September 30, 2006

Happy Brokenday


Hoje faz, precisamente, um mês que tive a maior queda da minha vida. Ao fim de três dias de choque, de duas semanas de absoluto tédio, apenas interrompido pelas visitas dos meus queridos amigos, e mais duas semanas de trabalho em casa e terapia de escrita e desenho, que me mantêm sã, continuo a sentir-me uma prisioneira da minha própria perna. Perna essa, que apesar de querer fugir do próprio gesso, que cada vez mais, me cai pela perna abaixo (estou a ver que ainda vou conseguir descalçá-lo que nem uma bota), apresenta-se agora como um verdadeiro depósito de peles, que coçam e saem embrulhados no algodão que envolve a perna, como se fosse cotão – sem dúvida, um paraíso para ácaros.
E cá vou indo, exercitanto mais o dedo que a perna, saltitando pela casa e treinando a minha fuga, enquanto olho pela janela, e vejo o verão virar outono.

Thursday, September 28, 2006

Geriatric Lust

Ia para mais de uma hora que, com os olhos fixos no livro, continuava, com um ar alienado, sem ler uma única linha. Uma decisão precisava de ser tomada e a opção certa teimava em se fazer definir. Nunca pensou chegar à situação em que se encontrava agora, sem pelo menos ter coragem para fazer uma opção...para fazer o que estava correcto. Por um lado, vivia uma relação que tinha tanto de carinhosa, como de ilegítima. Quando estavam juntos, sentia que era certo, que pareciam feitos um para o outro, apesar dele ser casado com outra mulher e insistir em não largar a família. Para ela, isso não era um problema, desde que tinha compreendido que podia viver o seu amor, sem complicações. Vivia o dia a dia, num contexto, estranhamente, calmo e confortável para quem não fazia parte de uma vida oficial, mas quem sabe, podia muito bem ser a parte mais importante da vida dele. O problema estava na falta de tempo, o tempo que ele dividia entre as suas duas vidas e que cada vez mais escasseava. Quantas eram as vezes que ela esperava, noite dentro, pelas suas escapadelas.
Mas agora, tinha, por um capricho do destino, conhecido um homem mais empolgante, mais envolvente...e disponível. Foi durante uma louca ida aos saldos, quando carregada de sacos, no momento em que todos pareciam que se iam desfazer, que ele veio em seu auxílio e se ofereceu para ajudar. Como um perfeito cavalheiro, carregou-lhe os sacos e convidou-a a beber um chá, Conversaram e perderam-se, durante horas, no olhar e nas histórias um do outro.
O que lhe pareceu, inicialmente, uma conversa absolutamente normal, de repente, foi como um acordar, de novo para a vida. Havia, novamente, aquela faísca, na troca de olhares, que há tanto havia ficado adormecida, na sua actual relação. Ele mostrou-se interessado, trocaram os números e combinaram voltar a se encontrar. Estaria ela disposta a embarcar, no que lhe parecia uma aventura intensa, que provavelmente iria consumi-la? Agora, não podia ver umas meias de descanso, que logo a faziam lembrar a ala do calçado ortopédico, onde se tinham conhecido.
E o que, até então, ela sempre pensou ser o seu grande amor, continuava casado, ia para mais de 60 anos. Não tinha esperanças em que ele fosse só seu, mas queria mais. E nada garantia que o seu caso durasse muito mais tempo. Se por um lado continuava a gostar muito dele, tinha que ser realista. Dava agora por si a pensar no outro e em tudo o que ele lhe prometia e que parecia poder proporcionar, com os seus 68 anos. Tinha que tomar uma decisão, afinal o tempo também já não era seu amigo. Apesar de ninguém lhe dar mais de 70 anos, os sinais de alerta estavam lá – arteriosclerose, artroses, cataratas e gota.
Suspirou bem fundo, ajeitou a dentadura e voltou a atenção, de novo, para o livro de puzzles. Ah! - afinal está aqui a palavra que faltava.

Monday, September 25, 2006

o início


Ela hesita ao se aproximar da porta de madeira envelhecida. O coração acelera, até pulsar ao ritmo da música que vem do interior. Inspira fundo e entra, como se dominasse o espaço. Com um nó no estômago, simula a segurança que lhe falha e descobre-o entre a multidão. Aproxima-se com passos leves, mas decididos. Os olhos dele iluminam-se ao vislumbrá-la entre os demais e sorri. Ela pára junto dele. Percorre, com o olhar, cada detalhe da sua face, como se quisesse imortalizar aquele momento perfeito, na sua mente. Trocam olhares cúmplices e a insegurança dissipa-se no momento. Ela aproxima-se e segreda-lhe ao ouvido. Demorei muito? Só a minha vida toda. O sorriso envergonhado solta-se num estado de euforia interior, quase infantil, que lhe enche a alma.

é impossível não gostar deles

com as suas manias, complicações

e inseguranças.

Thursday, September 21, 2006

Curiosidades

Em tempo de guerra, abrem-se trincheiras, constroem-se bunkers e dispõe-se a artilharia. Neste campo de concentração, que se tornou a vista da minha janela e a banda sonora dos meus dias, surge, uma noite, um fenómeno curioso.


Bem à porta de uma tal família Cruz, alguém se lembrou de brincar com as pedras, por colocar, do lancil. Alheio à ironia, que são as coincidências, em fazer uma montagem com as mesmas, em formato de cruz.

Monday, September 18, 2006

Hoje tiraram-me os agrafos

A sensação libertadora, do arranque, algo semelhante às sensações provocadas pela depilação com máquina, em que o puxão tem algo de arrepiante, quase bitter sweet, num ponto concentrado e profundo. Pelo menos foi como melhor descrevi, o facto de eu estar com um sorriso de orelha a orelha, à enfermeira preocupada com o trabalho de desmanche do outrora caderno de argolas com folhas e carne viva e capa em pele humana. E em cada orifício, de onde se retira um agrafo, se forma uma gota escura de sangue espesso. Segundo a opinião da mesma e do próprio médico, que muito me espantou ter aparecido, está bonito sim senhor, o meu pezinho. Parece que vamos no bom caminho e que o gesso deixa de fazer parte de mim, lá para 9 de Outubro.

Saturday, September 16, 2006

Hoje, estava a comer uma pizza e lembrei-me de ti

não que eu ache que saibas a atum, queijo ou ananás...

ou que sinta por ti uma atracção irresistível, apesar de fazeres mal ao colestrol.

mas porque me lembrei das noites de stress, em que nem à volta de uma pizza nos conseguíamos acalmar.

...ficou a faltar a mousse hagen daz

My left foot

o fe(e)tish continua

Friday, September 15, 2006

SALAMANCA...afinal sou eu

Ás vezes apeteceu-me...

Deixando para trás as coisas tristes

Novo anúncio Pepsodent - made in Ciudad Rodrigo
É preciso comprar pilhas - Tou "Varta"!
O balanço da viagem...

DOWNSIDE


Acordo uma vez mais, ansiando pela manhã. As noites tornaram-se demasiado longas e arrastadas, longe da rotina a que me habituei. O tédio tornou-se uma constante, à medida que memorizo os contornos das rachas no tecto. As posições condicionadas pela elevação da perna, trazem, não só o estorvo de uma bota de gesso, mas também as dores constantes dos músculos que agora compensam o desiquilíbrio. Se há uma semana dizia que a única dor que sentia era na alma, hoje não é bem assim que descrevo. Recordo as palhaçadas nas fotos tiradas há 1 mês atrás, em que agora descrevo como os tempos em que era feliz e andava. Resta-me aguardar... aguardar que a dor passe, aguardar que conquiste mais mobilidade, aguardar que volte a sair, aguardar por melhores dias, enquanto vejo as mudanças ocorrerem sem nada poder fazer para as travar.
12 Setembro 06

A FUGA DOS INVÁLIDOS


5 de setembro, 21h. Acabei de dar de fuga do quarto a bordo da minha cadeira de rodas. Já percebi qual a hora em que não se vê ninguém no corredor, nem uma testemunha. Chego, com um micro-pico de adrenalina ao átrio, à máquinas dos cafés, apenas para perceber que não aceita notas...a única coisa que tenho. Estaciono junto a um pilar e desato a escrever. Se hoje não fôr a última noite aqui, tenho que cravar trocos amanhã.
22h, hora do fecho das luzes. Por azar, nada funciona no quarto – nem campainha, nem controlo individual de luzes. Enfio-me de novo na cadeira, que mais faz lembrar um tanque humano, com a perna lesionada esticada e erecta sobre o apoio, e fujo de novo do quarto. Vou de novo para o Hall, falar com o mundo lá fora. Pela primeira vez, em uma semana, longe da temperatura controlada do quarto, apercebo-me de quanto quentes e pegajosas estão as noites. Em frente a uma janela aberta, vejo as luzes dos anúncios e sinto a aragem morna e calma que me envolve.

5 Setembro 06

ELES NÃO RESISTEM A UMA BOTINHA BRANCA


Já me tinha apercebido, como o título de arquitecto abre muitos sorrisos e estados de vénia, mas quase sempre, no caso masculino, em alturas que requerem charme e sedução, para iniciar uma conversa, obter uma mesa num restaurante, para massajar o ego. Não estou a afirmar que só os homens o façam, ou que só os arquitectos os façam, ou que todos o façam. Mas como já tive oportunidade de testar, existem pessoas que simplesmente não consideram a mulher como um ser digno de ouvir as suas zurrices – azar! Ora o que eu ainda não sabia e como tenho vindo a constatar com alguma surpresa é que ser arquitecta também dá um bom impulso nas artes da sedução. Mesmo quando ela surge de surpresa. Tenho vindo a constatar que no meio clínico, a profissional arquitecto goza de algum estatuto, diria até, de um trunfo sedutor, sem ter que recorrer a amostras de conhecimento sobre a profissão, como o facto de haver uma legislação que rege as intervenções ou qual o nome específico de elementos da construção :P. Muito tenho aprendido nestes 5 dias de férias forçadas e acho particularmente engraçadas aquelas que vêem sem aviso, tipo, lerem na ficha qual a ocupação e iniciarem a conversa fiada por aí. Meninas arquitectas e desesperadas, se o vosso sonho é casarem com um médico, enfermeiro, auxiliar ou terapeuta, partam a perna!
5 Setembro 06

RUTE (NA) CRUZ


Setembro é o mês das virgens – e não bastando ter sido a 1ª queda séria, a 1ª grande fractura, a 1ª intervenção de bombeiros, a 1ª viagem de ambuância, a 1ª entrada nas urgências, o 1º internamento, a 1ª operação, a 1ª vez que me caíu tudo ao chão quando constatei que estava impossibilitada de corrigir a minha vida segundo planos traçados por mim. Não podia estar agora, no mesmo contexto virginal, deixar de pensar na figura de cristo na cruz, enquanto fico aqui deitada a fixar o tecto, com um braço para cada lado, à medida que me espetam alternadamente , um e o outro braço, enquanto tentam achar uma veia que não rebente com a introdução do catéter. À medida que as minhas chagas aumentam, em formato de pensos e chupões, penso na ironia do meu nome, Rute (na) Cruz. E não posso deixar de rir com mais uma situação pseudo-trágica. What doens’t kill you, makes you stronger…espero. Cuidado, vou ser difícil de aturar depois desta!

4 setembro 2006

Gracie

À medida que vou vivendo novas e degradantes experiências, nesta aventura que de bom grado dispensava viver, espero que dela perdure apenas as lembrança do apoio da família - completamente desnorteada, a simpatia e cuidado do pessoal auxiliar e de enfermagem assim como a sorte de ter encontrado um vizinho de desgraça, que melhor não podia ter imaginado – para além de me distrair, orientar, animar e mimar com pequenos gestos, foi cruxial para eu manter a cabeça no sítio. Muito obrigado. Que as tuas dores desapareçam rápido e que recuperes a 100% a mobilidade. Já tenho saudades do respirar nocturno que rompia com o silêncio do quarto!
E aos meus amigos, que vocês sabem bem quem são, muito obrigado e muitos beijos coxos!
3 Setembro 06

UMA CHAPA E TRÊS PARAFUSOS

Paredes sujas, reboco cheio de humidade, plásticos industriais, instalações bolorentas fazem o cenário grotesco de uma festa de presença obrigatória, sem convite nem pré-aviso. A espera longa e enervante no abandono dos corredores em mutação. A luz pisca e tremelica, penso que descobri a musa inspiradora dos melhores argumentos de terror hospitalar. Aos poucos, o mau torna-se menos mau, traço, sem grandes certezas, um plano mental. Em vão, porém, com o resultado de um raio-x, tudo se desmorona numa frase. Luxação, fractura, que tal uma tri? Um azar nunca vem só e uma operação também não. Temporariamente no sítio, aguardo exasperando por mais de hora e meia por uma transferência que tarda em se concretizar.A antecipação de uma segunda etapa, num rol de etapas sem fim, nesta viagem sem aviso, nem inscrição e sem final agendado. Só sei, tudo o que não vou poder fazer. Nada sei sobre aquilo que tenho ou que posso fazer e neste momento, tudo parece impossível. Vejo as luzes da cidade passarem ao lado, insensíveis à confusão que vivo. Novo corredor, nova maca, nova espera. Vejo-os passar para falar sobre mim. Parecem alienados ao facto de não me poder mover, de não poder sair daquele corredor. Vejo-os voltar com ar assustado, transtornados, mais nervosos que nunca. O veredíto é o internamento, vais ser operada. Vão-te tirar os pertences. Fico um segundo a pensar e ligo, à pressa, para avisar a notícia. De repente vejo-me de novo na sala de raio-x e aguardam que desligue o telemóvel. Pedem-me para tirar tudo naquele corredor. Ponho toda a roupa, os acessórios que já nem me lembro que uso e tudo o que faz parte de mim naquele saco e espero pelo dia que mo voltem a entregar. Sou levada para uma sala escura, injectam-me um cateter e mais um extra para relaxar “vamos tentar dormir”. Fico de olhos abertos a fixar o tecto, tentando acordar de um pesadelo que numa fracção de segundo, me tirou uma das coisas que mais prezo. O mais insignificante gesto necessita de auxílio de terceiros. Durmo 2 horas e vejo que tudo não passa da mais cruel realidade.
31Agosto06